sábado, agosto 21, 2010

Desinformação: a Mídia, o PT e as FARC (e Chávez também...)

É bastante curiosa a cobertura da grande mídia impressa quando se torna inevitável ter de mencionar as FARC, em especial se houver alguma tangência constrangedora com pessoas ou organizações brasileiras.

Nas últimas semanas isso ocorreu pelo menos duas vezes: a primeira foi quando o deputado federal Índio da Costa acusou o PT de vínculos com as FARC (da alegada associação ao narcotráfico ele se retratou posteriormente). A mídia noticiou a acusação, a revolta do PT com a mesma e o processo judicial que o partido anunciou abrir contra o deputado e também relatou a defesa de Serra ao seu colega de chapa candidata à presidência da república, que afirmou ser pública a ligação histórica entre as duas organizações (ao que eu saiba, Serra não está sendo processado). Relatadas as afirmações e as posições subsequentes das partes, a mídia parece ter se dado por satisfeita com o assunto e rapidamente o deixou para trás.

Em um segundo caso, o então presidente colombiano Álvaro Uribe acusou o governo Venezuelano de abrigar múltiplos acampamentos das FARC, com milhares de narco-terroristas, que serviriam de bases seguras para ataques ao território colombiano. O presidente Uribe parece ter apresentado provas ou evidências disso em um foro de países sul-americanos. Em resposta, o presidente Hugo Chávez rompeu relações diplomáticas com a Colômbia como registro e materialização de sua indignação diante da gravidade da acusação. De forma idêntica à primeira situação, a grande mídia se contentou em relatar as alegações e reações de cada lado.

Em ambos os casos não houve qualquer interesse em investigar o mérito das alegações opostas de cada parte e prover ao público indicações jornalísticas de com quem deveria estar a verdade, pois ou ela está com uma parte ou com a outra, já que estão em perfeita oposição, uma sendo a negativa da outra, e não podendo haver um meio termo, meia verdade ou "meia razão". Além disso, os méritos são absolutamente substantivos, materiais: ou o PT tem (ou teve) algum tipo de vinculação com as FARC ou não tem; ou existem acampamentos dessa organização em território venezuelano, sem reação ou oposição de seu governo, ou não existem os tais acampamentos.

A atitude da mídia é a própria negativa da razão de ser do jornalismo, que precisa ser investigativo por natureza. É assim que se dá, por exemplo, em casos criminais de grande repercussão: ou o goleiro Bruno matou ou mandou matar sua amante ou não o fez e é inocente; e vimos todos o exaustivo esforço jornalístico nesse assunto.

Em não tendo tido a imprensa atitude semelhante nos dois episódios, só há duas hipóteses possíveis:

  • O conteúdo ou mérito das acusações são muito irrelevantes ou desinteressantes, fatos banais mesmo, um “não assunto”, não merecendo energia investigativa na busca de saber com quem está a verdade afinal, e assim seriam equivalentes às brigas de bar que acabam com feridos ou mortos onde se relata apenas a confusão e suas consequências, mas o estopim é automaticamente reputado como irrelevante. Entretanto, parece que os acusados não compartilham dessa visão, pois reagiram muito indignadamente, com negativas veementes, processos judiciais ou rompimentos diplomáticos;
  • Descobrir e informar a verdade quando se trata de relações fraternas com as FARC não é conveniente, devendo os fatos, sejam eles quais forem, permanecerem encobertos.

Para a primeira hipótese, devemos arguir porque a mídia avaliaria que a eventual associação entre um partido político brasileiro com uma organização terrorista, em luta armada com governos legalmente constituídos e democráticos de um país amigo e fronteiriço, além de ser fornecedora de drogas para o tráfico nacional, não se reveste de importância alguma ao público brasileiro. De forma semelhante, porquê não nos interessaria saber se é fato que um outro país vizinho e amigo acolhe tal organização em seu território em um ato de hostilidade ao primeiro?

Para a segunda hipótese e suas implicações, o leitor deve tirar suas próprias conclusões.