No post anterior listei a dissuasão como o terceiro objetivo a ser alcançado pela aplicação da Justiça, ou seja como elemento preventivo à criminalidade. Vale discorrer em mais detalhes sobre esse aspecto face aos infindáveis e improdutivos debates sobre o aumento ou não das penas em crimes hediondos, progressão de penas e maioridade penal abaixo de 18 anos.
Para a minoria de potenciais criminosos para os quais a moralidade não será freio interior para a execução ou não de um crime, a avaliação do risco que irá correr ao cometê-lo será o único fator levado em consideração na decisão.
Risco pode ser definido usualmente como a composição, algebricamente o produto, da probabilidade de ocorrência do evento com a conseqüência ou "montante" associado. Se o "valor" dessa operação for superior ao prêmio esperado pela consecução de um crime, o potencial criminoso tenderá a preferir não realizá-lo.
Nesse caso a probabilidade em avaliação será a de ser pego, incriminado, julgado e finalmente punido e o "montante" associado será a pena a pagar (tipo e duração ou quantia quando financeira).
Nesse contexto, podemos pensar que a "penalidade mínima" a ser fixada para qualquer delito seja aquela que anule o "prêmio" esperado pelo potencial criminoso em uma condição de certeza (100% de probabilidade) de punição. Então claramente existe um limiar do nível de punição aplicável abaixo do qual se torna ineficaz como elemento dissuasório o sistema judicial existente mesmo não havendo impunidade!
No outro extremo hipotético teríamos o conceito de "penalidade máxima", definida como aquela que ainda desestimularia a prática de um crime mesmo diante de um chance ínfima de se julgar e condenar um criminoso. É claro que como valores morais impõem os conceitos de proporcionalidade da pena ao delito cometido bem como de limites humanitários, não seria uma alternativa aceitável termos um sistema de nenhuma repressão (polícia investigativa, etc.) onde os criminosos só seriam apanhados aleatoriamente em flagrante delito mas a pena única fosse a morte (possivelmente lenta e dolorosa). Aqui entraria também um outro fator de cunho mais psicológico: a percepção de risco não é usualmente simétrica e as pessoas tendem a perceber uma situação de baixíssima probabilidade mesmo que de conseqüências inaceitáveis como mais benigna que sua simétrica (alta probabilidade, baixa conseqüência). Além disso, nesse caso específico, o senso de universalidade da Justiça, ou seja, ela só se dá se for para todos e a todos alcançar, é por si só um valor fundamental.
Sabemos que em nenhum lugar do mundo o sistema repressor policial e judiciário pode ser 100% eficaz, ou seja, a probabilidade de um criminoso ser pego é, de forma geral, necessariamente menor do que 100%. Num contexto de incerteza, portanto, devemos esperar que as penalidades estabelecidas sejam algo superior àquelas mínimas definidas acima para compensar as chances de eventual impunidade, mantendo o mesmo poder dissuasório de modo que os "azarados" criminosos efetivamente punidos sirvam de exemplo aos demais.
Caso a dissuasão fosse o único ou principal objetivo para a aplicação da Justiça, e não é, como já discorremos no post anterior, o Estado poderia almejar um balanço "economicamente ótimo" entre o elenco de penas estabelecidos (custo zero) e o tamanho e qualidade do sistema repressor e investigativo (que custa para ser mantido) que ainda fosse eficaz no seu aspecto dissuasório. De qualquer modo, é razoável inferir que as sociedades de alguma forma busquem compensar seu nível de ineficácia em levar os criminosos a pagar por seus crimes com um endurecimento das penas em relação as que seriam "suficientes" em uma situação ideal de impunidade zero.
Lembrando que no Brasil a pena máxima de reclusão é de 30 anos e que a progressão de pena para outro regime após cumprido apenas um sexto reduz o período de reclusão para 5 anos (ou 60 meses) efetivos, podemos considerar esse valor como a penalidade máxima aplicável no Brasil para qualquer crime. Se considerarmos que apenas em torno de 1% dos crimes cometidos levam a condenações, o "valor" máximo do risco para se cometer ou não um crime é de 0,6 meses de reclusão. Qual o poder dissuasório do sistema penal brasileiro?
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Enquanto medidas como o aumento do cumprimento mínimo de uma pena de reclusão para algo como a metade e a redução de maior idade penal para 16 anos não forem tomadas, não melhoraremos nada a nossa percepção de injustiça. Além disso, qual o investimento necessário para aumentarmos em uma ordem de grandeza, ou seja, para algo em torno de 10%, a eficácia em condenações do nosso sistema judicial?